terça-feira, 8 de novembro de 2016

Romance vencedor do Prêmio SESC de Literatura, “Céus e Terra” explora a temática da morte de forma leve e lírica

Imagem: Divulgação


Protagonista do livro é um menino de 12 anos que, após morrer, acompanha a rotina de uma pequena cidade do sertão baiano, mergulhando em seus símbolos e tradições


Desde a infância, as imagens da morte rondam a mente de Franklin Carvalho, a tal ponto de a obsessão permanecer na vida adulta e virar ideia para um projeto de mestrado. Em vez do texto tradicional acadêmico, o jornalista preferiu enveredar pela ficção. Sorte dos leitores porque foi assim que nasceu "Céus e Terra", vencedor do Prêmio SESC de Literatura na categoria romance.

   O livro conta a história de um menino pobre do sertão baiano, que é convocado para ajudar a salvar um homem crucificado. Os dois acabam morrendo.  Como uma espécie de fantasma, o garoto de 12 anos começa a acompanhar a rotina da pequena cidade de Araci e assim passa a compreender os símbolos e tradições locais que não puderam ser integralmente assimilados durante sua breve vida terrena.

   Galego, como se chama o protagonista, observa todas as movimentações do cotidiano. Entre elas, boatos na feira, banhos de rio, festa de casamento, conversas sobre política na barbearia, a chegada de um jovem morador que ainda não se submeteu às tradições mais enraizadas e a chegada dos circos à cidade. Por meio do olhar atento do menino, o autor mostra como as pessoas lidam com o sagrado no dia a dia e como, em momentos de dificuldades, recorrem a várias religiões, às vezes ao mesmo tempo.

   Apesar de não compreender muito bem sua nova condição, Galego passeia pelo espaço, se desloca por todos os lugares sem conhecer fronteiras, como se fizesse parte de um universo surrealista. Ele, que se contenta em apenas observar os homens, é convocado pela sociedade, que decide venerar sua alma e fazer dele um santo, evocado pelos nomes “Menino São João”, “São João menino” ou “caboclo menino”, dono de uma linhagem inteira de erês com festa marcada para o dia São João ou de Xangô.
“Céus e Terra” chega às livrarias em novembro pela Editora Record.

Trechos
“Sentia tudo aquilo ao mesmo tempo, como as sinfonias que só ouvimos nos ventres das mulheres  e das árvores, onde as seivas correm. Não separava matéria em partes. Mares, luas, peixes, siderais e abissais, e chuvas, fossem de fogo ou de água, moviam-se com precisão, orbitados entre si. Quanto mais evoluídos e belos, mais concentrados nos seus próprios movimentos, como se árvores também fossem. Eu poderia ficar centenas de milhões de anos ali, e poderia ter feito isso logo na primeira vez que encontrei a oportunidade. Na verdade, eu fiquei. De uma maneira que não conseguiria explicar, porque foram eras, mas acordei daquele mergulho. Haviam se passado poucas horas no quarto dos meninos. Ao tempo em que eu estava infinitamente mais maduro, eles mal tinham se virado nos colchões. Abel continuava a roncar.”

“Sem a morte, não haveria regra nenhuma, porque ela é a regra primeira, da qual todas provêm. Não haveria crime nem pecado, e a vida, que já é sem sentido, perderia os sentidos que a morte lhe dá, que chamamos de história, trajetória, realização, missão, destino, virtudes, sensatez e todas as qualidades que só vimos naquilo que acaba, quando acaba, se acaba . A morte põe o homem entre todas as coisas da natureza, o que já é um sentido bastante razoável para uma vida sem sentido algum,  a vida caótica que o homem tem, de tantas acasos, e que continuaria indefinidamente porca”

Franklin Carvalho é jornalista, pós-graduado em Direito e Processo do Trabalho e assessor de imprensa do Tribunal do Regional do Trabalho. O baiano é autor de dos livros de contos independentes “Câmara e Cadeia” (2004) e “O Encourado” (2009). Em 2015, recebeu o 2º lugar no Prêmio de Jornalismo Barbosa Lima Sobrinho - Direitos Humanos, da Seção Bahia da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-BA), na categoria Webjornalismo.


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