Imagem: Divulgação
Protagonista do livro é um menino de 12 anos que, após morrer,
acompanha a rotina de uma pequena cidade do sertão baiano, mergulhando em seus
símbolos e tradições
Desde a infância, as imagens da morte rondam a mente de Franklin
Carvalho, a tal ponto de a obsessão permanecer na vida adulta e virar ideia
para um projeto de mestrado. Em vez do texto tradicional acadêmico, o
jornalista preferiu enveredar pela ficção. Sorte dos leitores porque foi assim
que nasceu "Céus e Terra", vencedor do Prêmio SESC de Literatura na
categoria romance.
O livro conta a história de um menino pobre do sertão
baiano, que é convocado para ajudar a salvar um homem crucificado. Os dois
acabam morrendo. Como uma espécie de fantasma, o garoto de 12 anos começa
a acompanhar a rotina da pequena cidade de Araci e assim passa a compreender os
símbolos e tradições locais que não puderam ser integralmente assimilados
durante sua breve vida terrena.
Galego, como se chama o protagonista, observa todas as
movimentações do cotidiano. Entre elas, boatos na feira, banhos de rio, festa
de casamento, conversas sobre política na barbearia, a chegada de um jovem
morador que ainda não se submeteu às tradições mais enraizadas e a chegada dos
circos à cidade. Por meio do olhar atento do menino, o autor mostra como as
pessoas lidam com o sagrado no dia a dia e como, em momentos de dificuldades,
recorrem a várias religiões, às vezes ao mesmo tempo.
Apesar de não compreender muito bem sua nova
condição, Galego passeia pelo espaço, se desloca por todos os lugares sem
conhecer fronteiras, como se fizesse parte de um universo surrealista. Ele, que
se contenta em apenas observar os homens, é convocado pela sociedade, que
decide venerar sua alma e fazer dele um santo, evocado pelos nomes “Menino São
João”, “São João menino” ou “caboclo menino”, dono de uma linhagem inteira de
erês com festa marcada para o dia São João ou de Xangô.
“Céus e Terra” chega às livrarias em novembro pela Editora Record.
Trechos
“Sentia tudo aquilo ao mesmo tempo, como as sinfonias que só ouvimos
nos ventres das mulheres e das árvores, onde as seivas correm. Não
separava matéria em partes. Mares, luas, peixes, siderais e abissais, e chuvas,
fossem de fogo ou de água, moviam-se com precisão, orbitados entre si. Quanto
mais evoluídos e belos, mais concentrados nos seus próprios movimentos, como se
árvores também fossem. Eu poderia ficar centenas de milhões de anos ali, e
poderia ter feito isso logo na primeira vez que encontrei a oportunidade. Na
verdade, eu fiquei. De uma maneira que não conseguiria explicar, porque foram
eras, mas acordei daquele mergulho. Haviam se passado poucas horas no quarto
dos meninos. Ao tempo em que eu estava infinitamente mais maduro, eles mal
tinham se virado nos colchões. Abel continuava a roncar.”
“Sem a morte, não haveria regra nenhuma, porque ela é a regra primeira,
da qual todas provêm. Não haveria crime nem pecado, e a vida, que já é sem
sentido, perderia os sentidos que a morte lhe dá, que chamamos de história,
trajetória, realização, missão, destino, virtudes, sensatez e todas as
qualidades que só vimos naquilo que acaba, quando acaba, se acaba . A morte põe
o homem entre todas as coisas da natureza, o que já é um sentido bastante
razoável para uma vida sem sentido algum, a vida caótica que o homem tem,
de tantas acasos, e que continuaria indefinidamente porca”
Franklin Carvalho é jornalista, pós-graduado em Direito e
Processo do Trabalho e assessor de imprensa do Tribunal do Regional do
Trabalho. O baiano é autor de dos livros de contos independentes “Câmara e
Cadeia” (2004) e “O Encourado” (2009). Em 2015, recebeu o 2º lugar no Prêmio de
Jornalismo Barbosa Lima Sobrinho - Direitos Humanos, da Seção Bahia da Ordem
dos Advogados do Brasil (OAB-BA), na categoria Webjornalismo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário