Imagem: Divulgação
Obra escrita pelo historiador Américo Freire e pela
jornalista Evanize Sydow conta a história de vida do frei em meio ao contexto
histórico do Brasil em sua época. O livro será lançado hoje às 18h na Livraria
Cultura do Conjunto Nacional.
Frei Betto, que participaria do debate de
lançamento, viajou a Cuba para participar das homenagens a Fidel.
Leia o prefácio do livro no blog da Editora Record: http://www.blogdaeditorarecord.com.br/2016/11/29/de-fidel-para-frei-betto/
Filho de uma tradicional família mineira, com mãe
católica e pai avesso aos homens de batina, Frei Betto teve uma infância e
adolescência agitadas em Belo Horizonte na década de 60. Com um primo, se
fantasiava de Zorro para entrar na casa dos amigos à noite e assustar as
“vítimas”. A dupla fazia dublagens de artistas como Elvis Presley e Maurice
Chevalier e chegaram a marcar uma apresentação na TV Italocomi, da qual Frei
Betto desistiu. Sua carreira artística não decolou, mas a paixão pelos livros
já era latente e o talento para escrever, também. O adolescente Betto namorava,
andava com uma turminha do bairro que aprontava pelas ruas e chegou a ser
expulso de uma das escolas onde estudava por se recusar a apresentar um
trabalho em francês numa aula. Foi na mudança para um colégio público, onde
estudava à noite e com colegas de várias classes sociais, que Betto começou a
mudar. Logo depois, conheceu e entrou para a Juventude Estudantil Católica e
percebeu que tinha uma vocação: a religiosa.
Essas e tantas outras histórias saborosas estão na
biografia “Frei Betto”, escrita pela jornalista Evanize Sydow e o historiador
Américo Freire e publicada agora pela Civilização Brasileira. Os dois
revelam detalhes da vida e da obra de Frei Betto, passando por momentos-chave
como a descoberta de sua vocação, a militância na educação e na Igreja e o
engajamento na luta contra a ditadura no Brasil instaurada pelos militares em
1964. Sua resistência lhe rendeu uma prisão, mas também um dos seus principais
livros: “Batismo de sangue”, em que conta a participação dos frades dominicanos
do Convento das Perdizes na Aliança Libertadora Nacional e na captura e morte
de seu principal líder, Carlos Marighela.
Os autores fizeram longas entrevistas com Frei
Betto para o livro e não deixaram temas polêmicos de fora da obra, como o fato
do biografado não ter sofrido tortura na prisão por ser sobrinho de um general
que tinha ligações com os militares no poder. A controversa saída de Frei Betto
do governo Lula, registrada no livro “A mosca azul”, e as críticas que recebeu
dos petistas por isso também estão registradas. Os autores mostram como Frei
Betto mantinha relações com vários setores da sociedade e também circulava com
desenvoltura e tinha bom diálogo com pessoas de classes sociais diferentes.
O livro traz a sua participação na Teologia da
Libertação, corrente mais progressista da Igreja Católica, e sua atuação nas
greves do ABC paulista, onde estreitou a amizade com Lula, na criação do
Partido dos Trabalhadores e nas campanhas petistas à Presidência da República.
Revela também seus hábitos simples, sua carreira literária e a sedução que
exerce sobre as mulheres. Para Frei Betto, que, segundo a obra, já experimentou
o Santo Daime e se consultou com cartomantes, o celibato proporciona a
liberdade de poder ter várias amigas, sem o compromisso de um casamento.
A sua vocação para ajudar os amigos e pessoas em
dificuldades materiais ou espirituais é uma característica ressaltada na
biografia de Frei Betto. Na doença e na morte de Tancredo Neves, por exemplo,
Betto era uma presença frequente no hospital e, por ordem de dona Risoleta
Neves, viajou no avião que levava o corpo do então presidente para Minas –
mesmo com a contrariedade da cúpula militar, recém-saída da ditadura, da qual
Frei Betto era considerado um dos inimigos. Muito próximo à família Buarque de
Hollanda, batizou uma das filhas de Chico Buarque, Helena, a pedido da própria,
com a qual manteve longas conversas sobre religião.
Também foi a religião que o aproximou
definitivamente de Fidel Castro, que escreveu o prefácio desta biografia. O
brasileiro é autor de um dos maiores best-sellers da história editorial cubana,
“Fidel e a religião: conversas com Frei Betto”, no qual o ex-presidente de Cuba
afirma, para surpresa dos compatriotas, a necessidade de união entre cristãos e
comunistas. Frei Betto acompanhou a visita de dois Papas católicos a Cuba e é
uma espécie de consultor e traço de união da Ilha com Roma.
Com depoimentos de escritores, como Luiz Ruffato e
Raduan Nassar, e personalidades como o Prêmio Nobel da Paz Adolfo Perez
Esquivel e o arcebispo emérito de São Paulo, Dom Paulo Evaristo Arns, “Frei
Betto – Biografia” revela o significado histórico da vida e do trabalho desse
personagem que fez da religião, da política, da literatura e da militância
instrumentos para a criação de uma sociedade democrática e plural, que possa
acolher todos os cidadãos e diminuir as desigualdades sociais no mundo.
O debate contará com a presença dos autores, da
jornalista Rose Nogueira e de Rogério Sottili, ex-secretário Especial de
Direitos Humanos.
ORELHA
Fernando Morais
Até bater os olhos nos originais deste livro, eu me
achava uma autoridade em Frei Betto. A pretensão decorria, primeiro, de uma
fraterna relação que nos une desde que ele deixou a prisão, no começo dos anos
setenta. Ou até de antes disso, se considerarmos que minha primeira sogra tinha
fortes ligações com a Ordem dos Dominicanos e era grande amiga da mãe de Betto.
Em segundo lugar porque, depois de muitos anos de recusas, em 1992 ele
finalmente me concedeu uma daquelas intermináveis entrevistas de abertura da
revista Playboy. Em quatro exaustivas jornadas de gravações, que começaram em
Havana e terminaram no Convento das Perdizes, perguntei tudo, sem qualquer
censura, e a tudo ele respondeu.
À medida que avançava na leitura desta biografia,
um novo Betto foi-se materializando diante dos meus olhos. Não “um outro”
Betto, que confrontasse o que eu conhecia e que entrevistara. Mas aos poucos
emergiam detalhes e fragmentos que enriqueciam, e muito, o perfil que minha
memória guardava do polêmico religioso mineiro.
Talvez por ter sido escrito a quatro mãos por uma
jornalista e um historiador, “Frei Betto: uma Biografia” seduz o leitor com uma
saborosa técnica narrativa. Acompanhando os rastros e as impressões digitais
deixadas pelo personagem ao longo da vida, o livro faz frequentes incursões a
vol d’oiseau sobre a história do Brasil, do mundo e, claro, da Igreja,
permitindo que o leitor compreenda em que contexto se dava esta ou aquela
passagem da vida de Betto.
Além do prazer da leitura, este livro, com
incontáveis revelações inéditas sobre o personagem central, permite entender
por que a fé de Frei Betto e meu ateísmo nunca foram obstáculo para os laços
que nos unem. Católica como ele, minha mãe lamentava que Betto e eu nunca
tivéssemos conseguido ser irmãos em Cristo. Dona Zizina parecia se conformar,
porém, com que fôssemos “irmãos em Castro”, referindo-se ao líder comunista
cubano. É esse Betto, que surpreendeu o mundo ao juntar Cristo e Castro, que
aparece de corpo inteiro nesta bela biografia que você lerá agora.
Depoimentos para o livro:
Frei Betto é um dos homens mais inteligentes que
conheço. Tem qualidades muito próprias: consegue defender suas posições com
convicção e determinação ao lado de uma enorme capacidade de reunir pessoas,
mundos, projetos diferentes.”
Dom Paulo Evaristo Arns, arcebispo emérito de São
Paulo
“Uma amizade construída faz anos por antípodas:
Frei Betto com seu fervor religioso e um desprovido de fé. A diferença em nada
impediu o afeto e a convergência do nosso modo de perceber o desvairado mundo
que está aí, cabendo ao ativo dominicano uma inquietude no que escreve.
Acompanho de perto sua opção pelos pobres, os humilhados e ofendidos, que
clamam por justiça e solidariedade, causas a que Frei Betto tem dedicado sua
vida.”
Raduan Nassar, escritor
“Frei Betto é alma comovente de integridade e
entrega à sua convicção. É um apoio à resistência, pela salvação da alma, em
meio à emergência da vida comum. Ele é a memória de que, na mesa de jantar, no
almoço entre amigos, no plantio do umbigo da minha filha no jardim de rosas da
Pampulha, no meu casamento com o Nando, no grupo de oração, na luta pela
democracia e justiça, no trabalho e na arte, estamos a serviço do Sagrado em
cada gesto singelo do cotidiano. Ele é compromisso com a verdade, com a
integridade, com o Amor.”
Letícia Sabatella, atriz e militante de direitos
humanos
“Frei Betto é muito fraterno, muito amigo, uma
pessoa com quem você pode contar na dificuldade. Não é à toa que ele é frei.
Várias vezes eu chamei Frei Betto não para resolver problemas meus, pessoais,
mas para ajudar pessoas que precisavam, que estavam passando por algum aperto
existencial ou religioso. E ele foi sempre solícito, generoso. Não me lembro de
o Frei Betto dizer não. Sempre disponível e sempre de bom humor. Ele tem prazer
em ser solidário.”
Chico Buarque, compositor e escritor
“Frei Betto é um dos profetas de nosso tempo que
nos faz sonhar com um mundo melhor e transformar esse sonho em realidade.”
Adolfo Perez Esquivel, Prêmio Nobel da Paz
SOBRE OS AUTORES
AMÉRICO FREIRE é historiador, doutor em
História Social, professor do CPDOC/FGV, pesquisador do CNPq e autor dos livros Uma
capital para a República, Sinais trocados: o Rio de Janeiro e a República
brasileira, entre outros. Organizou, com Jorge Ferreira, A razão
indignada: Leonel Brizola em dois tempos (Civilização Brasileira, 2016).
EVANIZE SYDOW é jornalista, mestre em História
e autora da biografia Dom Paulo Evaristo Arns, um homem amado e perseguido.
É consultora especializada nas temáticas ligadas aos direitos humanos.
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