quinta-feira, 7 de julho de 2016

Bertrand Brasil lança “A Fome”

Foto: Divulgação

Do jornalista argentino Martín Caparrós, livro é narrado a partir de histórias reais e de relatos sobre quem usa o alimento como meio de especulação financeira

“Impressiona, incomoda e fascina. Consegue nocautear nossa tão acomodada civilização”
La Vanguardia

“Um livro surpreendente, singular, violento, necessário. O texto de Caparrós tem uma força memorável.”  
El Mundo

“A obra de Caparrós machuca, incomoda, revolta. É esta a intenção do autor que, a certa altura, confessa que ele próprio não gostaria de ler o livro que está escrevendo e que o levou a viajar pelo mundo: Índia, Bangladesh, Níger, Quênia, Sudão, Madagascar, Argentina, Estados Unidos, Espanha. O Brasil também é citado, como país emergente na exportação de alimentos que aceita as regras especulativas do livre-comércio global.”
Álvaro Costa e Silva, Folha de São Paulo

“A um só tempo, “A Fome” é um relato pessoal do autor da sua convivência com a miséria humana e uma baita reportagem. O livro te pega de jeito porque intercala análises com os casos que Caparrós encontrou mundo afora. São muitos alertas que nos provocam uma pergunta: o que cada um de nós está fazendo para melhorar isso? Arrisco-me a responder: quase nada.”
Nelson Vasconcelos, O Dia

  
Por Marcelo Vieira

À porta de uma choça numa aldeia do Níger, Martín Caparrós pergunta a Aisha, 35 anos e olhos de tristeza:
— Se pudesse pedir o que quisesse, qualquer coisa, a um mago que fosse capaz de atendê-la, o que lhe pediria?
— O que eu quero é uma vaca que me dê muito leite; então, se vender um pouco do leite, poderei comprar as coisas para fazer sonhos e vendê-los no mercado.
O incrédulo jornalista insiste:
— Mas o que estou lhe dizendo é que o mago poderia lhe dar qualquer coisa, o que você lhe pedisse.
— Qualquer coisa?
— Sim, qualquer coisa.
Aisha baixa o tom de voz para responder:
— Duas vacas. Com duas, sim, não mais passaria fome.
Mas o Níger foi só a primeira parada de Caparrós no itinerário de quatro anos que deu origem a seu “A Fome”. O autor, nascido na Argentina, viajaria também para Índia, Bangladesh, Quênia, Sudão, Madagascar, Estados Unidos e Espanha com o objetivo de não somente entender e narrar a fome, mas também de promover, sobretudo no Ocidente, o incômodo e a resposta social necessários para que medidas sejam tomadas. Assim, interroga nossa consciência, nossa ignorância: você sabia que nenhuma doença ou guerra matou mais gente até hoje do que a fome? Que 800 milhões de pessoas — uma em cada sete pessoas — no mundo sofre desse mal?
Depois do Níger, segundo maior produtor de urânio do planeta, temos Bangladesh, segundo maior exportador mundial de roupas, com uma densidade demográfica de 1.140 habitantes por quilômetro quadrado, muitos dos quais famintos, desesperançosos e reféns da indústria que move seu país — ou, pelo menos, as camadas mais ricas dele. É ali que conhecemos Amena, a mãe que dá um dos testemunhos mais aterradores de “A Fome”: quando não há o que dar de comer para os filhos, põe água para ferver e acrescenta pedras ou galhos. “Então as crianças percebem que estou cozinhando alguma coisa e eu lhes digo que vai demorar um pouquinho, que durmam um pouco, que depois as acordo. E então dormem mais tranquilas. Enquanto isso, na Argentina, um lixão periodicamente abre as portas para pessoas que buscam frenéticas qualquer coisa que sirva para ser revendida ou reaproveitada… ou comida. E, por falar em lixão, adivinha onde vai parar 30% do que se compra nos supermercados da Espanha?
A narrativa de Caparrós não nos poupa dos detalhes mais assustadores e comoventes; inquietantes e difíceis de acreditar, compreender e aceitar. Ao nos apresentar personagens, de carne e osso e nome, o autor confere identidade às estatísticas; humanidade a pessoas tratadas como números. É daquelas leituras capazes de mudar a maneira como enxergamos a desigualdade. Nem sempre o que está longe dos olhos permanece longe do coração. “A Fome” é um livro árido, desértico, difícil de engolir; como um comprimido que desce pela garganta deixando um gosto ruim na boca.

TRECHO:

“Este é um livro sobre a feiura, a mais extrema que posso conceber. Este é um livro sobre o asco — que deveríamos ter pelo que fizemos e que, ao tê-lo, deveríamos ter por não tê-lo.
Calado, o asco se acumula.
Somos nada, tão pouquinha coisa: suspiros na curta vida de um penhasco perdido em um sistema solar ínfimo em uma galáxia igual a milhões e milhões. Quando o sabemos — quando nos descuidamos e pensamos —, talvez a resposta mais razoável a essa comprovação seja aceitar nosso destino e nos concentrar no menor: nós mesmos, nossas vidas, o pouco com que escolhemos e aceitamos rodeá-las. É uma possibilidade e até parece lógica. Mas talvez a melhor resposta a tanta pequenez seja se fazer de bobo e ignorá-la — e pensar o maior que nossa ínfima escala nos permita.”

SOBRE O AUTOR:

Martín Caparrós nasceu em Buenos Aires, em 1957, formou-se em História em Paris, viveu em Madri e Nova York, dirigiu revistas literárias e de culinária, percorreu meio mundo, traduziu Voltaire, Shakespeare e Quevedo. Ganhou os prêmios Planeta Latinoamérica, Rei da Espanha, Herralde de Romance e uma bolsa da Fundação Guggenheim. É autor de cerca trinta livros.

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